O que é uma tendinopatia?

O tendão é uma estrutura de tecido conjuntivo especializado que tem como função a transferência de forças produzidas por células contráteis do músculo para o osso.

A tendinopatia é uma lesão cada vez mais prevalente e o seu tratamento é um desafio tanto para o paciente como para o Fisioterapeuta. Lesões tendinosas representam aproximadamente 50% de todas as lesões desportivas (Abat et al., 2017).

A tendinopatia nos membros superiores parece estar mais relacionada com movimentos repetidos durante o trabalho, e no desporto e no treino é onde os tendões do membro inferior parecem estar mais vulneráveis (Ackermann, 2015). Contudo, todos os tendões do nosso corpo podem apresentar alterações estruturais decorrentes de tendinopatia. Lesões no ombro (tendinopatia da coifa dos rotadores), cotovelo (epicondilite), joelho (tendinopatia do tendão rotuliano) e tendão de Aquiles (tendinopatia do tendão de Aquiles) são as mais prevalentes (Abat et al., 2017).

Os tendões são compostos por vários componentes, sendo um deles as suas células especializadas – tenócitos – que são responsivos à carga durante a realização de qualquer movimento/tarefa que façamos no nosso dia-a-dia e essa resposta leva a alterações da matriz do tendão por forma a se adaptar às nossas necessidades diárias. Perturbações neste processo levam à produção de diferentes proteínas que alteram a capacidade do tendão tolerar a carga a que está submetido, aumentando o risco de lesão na estrutura (Khan & Scott, 2009).

Como se desenvolve esta lesão?

Para percebermos como se desenvolve uma lesão tendinosa não-traumática, é preciso perceber o conceito de tolerância à carga. Este conceito tem vindo a ser definido como a capacidade de um tecido realizar movimentos funcionais ao volume e à frequência necessários sem ocorrer lesão desse tecido ou exacerbar a lesão já presente. Esta aptidão acredita-se que seja um fenómeno dinâmico, em que a tolerância pode ser aumentada ao serem aplicadas cargas apropriadas, podendo também diminuir na ausência de quaisquer estímulos ou na presença de estímulos demasiado grandes (Figura 1) (Docking & Cook, 2019).

Figura 1. Tolerância à carga de um tendão.
Estímulos adequados tornam o tendão mais capaz de tolerar cargas maiores, enquanto que sobre ou subestimulação tornam o tendão mais suscetível à lesão. Fonte: Docking & Cook, 2019

A figura 2 mostra a resposta tendinosa do tendão de Aquiles, que pode ser extrapolada para qualquer tendão, quando sujeito a diversas intensidades de tensão. É de notar que outros fatores contribuem em conjunto para uma resposta positiva ou negativa à carga para além da intensidade, como a frequência e a duração do estímulo.

Apesar da relevância cada vez maior desta lesão, as soluções terapêuticas são limitadas devido à falta de conhecimento da patofisiologia subjacente ao aparecimento deste tipo de lesões. A carga repetitiva e fatores de risco intrínsecos (genética, desregulação neuronal, alterações metabólicas) podem contribuir para o desenvolvimento desta patologia (Ackermann, 2015). Vários modelos já foram sugeridos para explicar a patoetiologia de lesão tendinosa, no entanto, atualmente, o modelo da continuidade (Figura 3) (Cook, Rio, Purdam, & Docking, 2016)  é o mais apoiado pela comunidade científica.

Este modelo apresenta 3 estadios dentro do continuum: tendinopatia reativa; fase de desestruturação tendinosa; tendinopatia degenerativa. O tendão pode apresentar-se clinicamente dentro de cada um destes estádios, sendo que existe uma continuidade entre as diferentes fases. A adição ou a remoção de carga constitui o principal estímulo que leva o tendão a se “deslocar” dentro do continuum.

Fatores de Risco

Não modificáveis (Kearney, Parsons, Metcalfe, & Costa, 2014; Lewis & Cook, 2014; O’Connell, Cook, Wand, & Ward, 2016; O’Neill, Watson, & Barry, 2016; Van Der Vlist, Breda, Oei, Verhaar, & De Vos, 2019):

  • Lesão anterior no membro;
  • Idade;
  • Alcoolismo moderado;
  • Doença sistémica: diabetes, artrite reumatóide, hipotiroidismo;
  • Toma de corticóides ou derivados e/ou quinolonas e derivados.

Modificáveis (O’Neill et al., 2016):

  • Alteração nas cargas do treino ou na sua metodologia;
  • Mudança de calçado ou superfície de treino.

Como é feito o diagnóstico de uma tendinopatia?

Parece haver uma pobre correlação entre exames complementares de diagnóstico e presença de dor e disfunção neste tipo de condições, sendo que, achados imagiológicos anormais em vários tendões foram encontrados em pelo menos 59% de indivíduos assintomáticos, pelo que uma boa avaliação clínica deve ser sempre realizada, tanto para diagnosticar efetiva lesão tendinosa ou um diagnóstico diferencial, e caso seja de facto a primeira, perceber em que estadio do continuum se encontra (Docking, Ooi, & Connell, 2015).

A recolha da história do utente, realização de exames objetivos e a utilização de instrumentos de medida específicos constituem-se como a principal forma de diagnóstico.

Quanto tempo vou ficar com dores?

O tempo de recuperação irá variar conforme o estádio da lesão, há quanto tempo se instalaram os sintomas e quão bem existe um controlo da carga sobre o tendão no tempo subsequente.

No entanto, após início de reabilitação baseado em exercícios ativos em carga, pode esperar um começo de melhorias às 2 semanas, com uma mudança efetiva após 4 semanas, e o pico do efeito da reabilitação poderá ocorrer até às 12 semanas (Murphy et al., 2018). Ao manter a disciplina nos exercícios de fortalecimento até aos 6 meses, pode esperar uma resolução completa dos sintomas (Grävare Silbernagel, Brorsson, & Lundberg, 2011).

No entanto, é de denotar que, apesar de haver uma recuperação completa sintomática, a função mio-tendinosa não se encontra assegurada, o que sugere a importância de continuar a reabilitação mesmo após a cessação dos sintomas, com vista à melhoria funcional (Silbernagel, Thomeé, Eriksson, & Karlsson, 2007).

O que posso esperar da fisioterapia?

O exercício terapêutico, aliado à educação e à modificação de atividade, deve ser considerado como intervenção de primeira linha, sendo este tipo de tratamento o único capaz de produzir estímulos que afetam positivamente a matriz do tendão (Docking & Cook, 2019; Ganderton et al., 2015; Martin et al., 2018; Silbernagel, Hanlon, & Sprague, 2020).

Parece não haver uma superioridade de efeito sobre que tipo de protocolo utilizar na reabilitação deste tipo de casos, desde que este desafiante para o indivíduo e reavaliado e restruturado por forma a haver progressão na dificuldade e carga imposta ao tendão levando a uma contínua resposta mecânica aquando a realização dos mesmos ao longo do processo de reabilitação (Beyer et al., 2015; Silbernagel, Hanlon, & Sprague, 2020; Van Der Vlist et al., 2020). Alguma evidência aponta que os tendões se adaptam mais favoravelmente a cargas elevadas de longa duração, em comparação com cargas leves e de contrações rápidas (Silbernagel et al., 2020).

A monitorização dos sintomas e da resposta ao exercício também é de extrema importância ao longo do processo reabilitativo, pois é através da resposta do utente a estes fatores que a progressão do plano é mediada. Sinais como rigidez, dor e edema são cruciais de avaliar antes de determinar o aumento apropriado da intensidade do treino (Silbernagel et al., 2020).

Intervenção não-recomendada

  • Toma de agentes anti-inflamatórios (Heinemeier et al., 2017);
  • Uso de talas noturnas (Martin et al., 2018);
  • Uso de ortóteses (Martin et al., 2018; Silbernagel et al., 2020);
  • Uso de ligadura elástica (Martin et al., 2018; Silbernagel et al., 2020);
  • Laserterapia de baixa intensidade (Martin et al., 2018; Silbernagel et al., 2020);
  • Infiltração de corticoesteróides (Martin et al., 2018; Silbernagel et al., 2020).

Conclusão

Não existe uma receita, nem um protocolo que sirva para todos os pacientes. Na Physiohub trabalhamos numa equipa de reabilitação que inclui médico fisiatra e fisioterapeuta. Deve ser feita uma avaliação do utente e identificar as suas disfunções, realizando assim um programa individual de acordo com essa avaliação, os fatores de risco apresentados pelo utente e os seus objetivos. Elementos essenciais na criação de um protocolo, são, como já foi referido um aumento gradual e consistente da carga exercida ao tendão, seguida de um aumento da velocidade com que os exercícios de realizam estando esta cada vez mais perta do dinamismo e das exigências com que o tendão se deparará nas atividades desportivas/diárias do indivíduo (Ganderton et al., 2015).

Fale connosco para esclarecimentos adicionais e uma avaliação da sua situação.

Referências Bibliográficas:

Abat, F., Alfredson, H., Cucchiarini, M., Madry, H., Marmotti, A., Mouton, C., … de Girolamo, L. (2017). Current trends in tendinopathy: consensus of the ESSKA basic science committee. Part I: biology, biomechanics, anatomy and an exercise-based approach. Journal of Experimental Orthopaedics, 4(1). https://doi.org/10.1186/s40634-017-0092-6

Ackermann, P. W. (2015). Tendinopathy I: Understanding Epidemiology, Pathology, Healing, and Treatment. In Tendon Regeneration: Understanding Tissue Physiology and Development to Engineer Functional Substitutes. https://doi.org/10.1016/B978-0-12-801590-2.00004-1

Beyer, R., Kongsgaard, M., Hougs Kjær, B., Øhlenschlæger, T., Kjær, M., & Magnusson, S. P. (2015). Heavy slow resistance versus eccentric training as treatment for achilles tendinopathy: A randomized controlled trial. American Journal of Sports Medicine, 43(7), 1704–1711. https://doi.org/10.1177/0363546515584760

Cook, J. L., Rio, E., Purdam, C. R., & Docking, S. I. (2016). Revisiting the continuum model of tendon pathology: What is its merit in clinical practice and research? British Journal of Sports Medicine, 50(19), 1187–1191. https://doi.org/10.1136/bjsports-2015-095422

Docking, S. I., Ooi, C. C., & Connell, D. (2015). Tendinopathy: Is imaging telling us the entire story? Journal of Orthopaedic and Sports Physical Therapy, 45(11), 842–852. https://doi.org/10.2519/jospt.2015.5880

Grävare Silbernagel, K., Brorsson, A., & Lundberg, M. (2011). The majority of patients with Achilles tendinopathy recover fully when treated with exercise alone: A 5-year follow-up. American Journal of Sports Medicine, 39(3), 607–613. https://doi.org/10.1177/0363546510384789

Heinemeier, K. M., Øhlenschlæger, T. F., Mikkelsen, U. R., Sønder, F., Schjerling, P., Svensson, R. B., & Kjaer, M. (2017). Effects of anti-inflammatory (NSAID) treatment on human tendinopathic tissue. Journal of Applied Physiology (Bethesda, Md. : 1985), 123(5), 1397–1405. https://doi.org/10.1152/japplphysiol.00281.2017

Kearney, R. S., Parsons, N., Metcalfe, D., & Costa, M. L. (2014). Injection therapies for Achilles tendinopathy. Cochrane Database of Systematic Reviews, 2014(2). https://doi.org/10.1002/14651858.CD010960

Khan, K. M., & Scott, A. (2009). Mechanotherapy: How physical therapists’ prescription of exercise promotes tissue repair. British Journal of Sports Medicine, 43(4), 247–252. https://doi.org/10.1136/bjsm.2008.054239

Lewis, T., & Cook, J. (2014). Fluoroquinolones and tendinopathy: A guide for athletes and sports clinicians and a systematic review of the literature. Journal of Athletic Training, 49(3), 422–427. https://doi.org/10.4085/1062-6050-49.2.09

Martin, R. L., Chimenti, R., Cuddeford, T., Houck, J., Matheson, J. W., McDonough, C. M., … Carcia, C. R. (2018). Achilles pain, stiffness, and muscle power deficits: Midportion achilles tendinopathy revision 2018. Journal of Orthopaedic and Sports Physical Therapy, 48(5), A1–A38. https://doi.org/10.2519/jospt.2018.0302

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O’Connell, N. E., Cook, C. E., Wand, B. M., & Ward, S. P. (2016). Clinical guidelines for low back pain: A critical review of consensus and inconsistencies across three major guidelines. Best Practice and Research: Clinical Rheumatology, 30(6), 968–980. https://doi.org/10.1016/j.berh.2017.05.001

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Van Der Vlist, A. C., Breda, S. J., Oei, E. H. G., Verhaar, J. A. N., & De Vos, R. J. (2019). Clinical risk factors for Achilles tendinopathy: A systematic review. British Journal of Sports Medicine, 53(21), 1352–1361. https://doi.org/10.1136/bjsports-2018-099991

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Dr. André Yee

Línguas: Português, Inglês, Chinês (Cantonês).

Clínica:

Médico Especialista em Medicina Física e de Reabilitação.
Mestrado em Ecografia Musculoesquelética e Intervencionismo Ecoguiado.
Pós-Graduação em Medicina Desportiva.

Áreas de Intervenção: